AQUI
Aqui
entre os juncos e as flores do lótus,
compreendi
que o inferno e o céu,
por
mais que os deuses e os livros nos levem
a
pensar o contrário, estão no coração do homem.
Eu
conheci ambos deambulando por dentro de mim
e
fazendo da sombra um desejo de luz
e
da luz um secreto desejo de sombra.
Não
foi o sol que me queimou o rosto,
foi
o lume das inquietações fatais,
e
quedei-me assim, apátrida e só,
numa
terra a que chamo minha
mas
que faz o longe tornar-se fatalidade.
(…)Sempre
encaminhei os meus passos na direcção da luz,
mas
foi a treva que encontrei, fixando os pedaços
de
reboco que se soltam do tecto
presos
ao voo dos besouros, enquanto
eu
me perco no labirinto da minha solidão.
Vê
como eu morro devagar
enquanto
a chuva desenha na poeira
as
metáforas do Outono e do assombro.
Vê
como eu apodreço à ilharga da música
que
sai do interior das conchas
no
sítio onde os poetas há muito
deixaram
de escrever e de sonhar.
Vê
como eu me torno estrangeiro absoluto
numa
terra que quer ser minha
mas
que eu não consigo guardar no coração
como
coisa essencial da minha vida.
Wenceslau de Moraes (1854-1929)
in "O Profeta do Orvalho", edição de
José Jorge Letria, 2004