segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Poema da semana de 18 a 22 de setembro


O Limpa-Palavras

Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.

Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.

A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papeis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.

No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão. (…)


ÁLVARO MAGALHÃES
O Limpa-Palavras e Outros Poemas

                 26 de setembro – Dia Europeu das Línguas

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Poema da semana de 11 a 15 de setembro



VIAJANTE

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra
Só esta incerteza com que enfrenta o caminho.
Ninguém sabe que alma encerra
Este viajante, que caminha sozinho
Pela estrada, no nevoeiro.

Anda sem rumo de terra em terra
E canta à noite, num tom baixinho.
Nem ele sabe que sonhos tem,
Nem o que é mal, nem o que é bem,
Nem o que alcançará primeiro.

E pede às estrelas que o ajudem
A ser inteiro.


Ana Cristina Pereira,
 3º prémio, 2010, Concurso “Faça lá um Poema” (PNL)