JOSÉ SARAMAGO - 20 anos Prémio Nobel

In Memoriam
José Saramago foi o único escritor português galardoado com um prémio Nobel e, pelo prestígio e afirmação crescentes da sua obra, desde há anos que faz parte dos programas de Português do Secundário sendo obrigatório o estudo de “Memorial do Convento”, provavelmente a sua obra mais emblemática.
Escritor e ativista, humanista por vocação e atitude, a singularidade da sua obra não só espelha a sua visão do mundo e dos homens como projeta, ao mais alto nível, a língua portuguesa.
Em 1997, ano anterior ao da atribuição do Prémio Nobel e em que comemorou 50 anos de atividade literária, a Biblioteca da ESAS assinalou a efeméride aproveitando as atividades de incentivo à leitura integradas na sua Feira do Livro anual.
Por esse motivo, foi solicitado a José Saramago um texto alusivo, que servisse de motivação à leitura, explicando também o que desejava fazer e o espaço que lhe seria dedicado. Prontamente e com a antecedência desejada, Saramago respondeu-nos. Esse texto, que foi mote de tudo o que se realizou naquele ano – da promoção/divulgação, à iconografia utilizada, até às atividades promovidas – é novamente recordado com o destaque que merece. É que Saramago faz agora parte desse céu estrelado que nos convidava a olhar…

A razão por que se abre um livro para ler é a mesma por que se olham as estrelas: querer compreender. Mas não há nenhuma lei que obrigue as pessoas a levantar os olhos para o espaço ou a baixá-los para esse outro universo que é uma página escrita. Não há gosto sem curiosidade nem curiosidade sem gosto. Ler é uma necessidade que nasce da curiosidade e do gosto. Se não tens gosto nem curiosidade, deixa os livros em paz, porque não os mereces. Sempre haverá alguém para abrir comovido um livro, para querer saber o que está por trás das aparências. Cada livro é uma viagem para o outro lado.”
José Saramago (Maio de 1997)
 

Foi a 10 de dezembro de 1998, aos 76 anos, que José Saramago recebeu em Estocolmo o Prémio Nobel da Literatura, tornando-se no único escritor de língua portuguesa a quem, até agora, foi concedido o mais prestigiado de todos os galardões literários. A Academia Sueca reconheceu em José Saramago, a “capacidade de tornar compreensível uma realidade fugidia com parábolas sustentadas pela imaginação, pela compaixão e pela ironia”.
Multiplicaram-se as iniciativas para assinalar os vinte anos deste importante prémio, e, mais uma vez, não quereríamos ficar indiferentes a esta efeméride. Por esse motivo, além do destaque dado à obra e pensamento de Saramago, propusemos aos alunos do Secundário que comentassem alguns excertos do livro autobiográfico “As pequenas memórias”.
Aqui ficam algumas passagens das reflexões que nos fizeram chegar através dos respetivos professores de Português.

Saramago

Autor de mais de quarenta livros, José Saramago é um nome incontornável na literatura portuguesa, principalmente devido ao modo de escrever inovador que adotou. Nasceu em 1922 na aldeia de Azinhaga, palco de vários episódios da sua infância descritos na obra Pequenas Memórias.
Contrariamente ao que se esperaria do único vencedor português do Prémio Nobel da Literatura, não são os grandes marcos da carreira de Saramago que merecerão destaque em Pequenas Memórias, mas sim pequenos episódios da sua infância que, décadas depois, encontrarão forma de ocupar os seus pensamentos. A infância é uma época tão marcante que aos 83 anos o autor ainda tem memória de muitos momentos deste período: é a nossa fase mais inocente, a fase em que surgem as bases para nos tornarmos na pessoa que somos hoje. Nas palavras de José Saramago, “a nossa infância explica muito o que nós somos”. (…)
É clara a relação próxima que se estabelece entre o autor e os avós, a quem Saramago agradeceu no seu discurso de aceitação do Prémio Nobel em 1998. Esta proximidade entre as crianças e os avós é cada vez mais necessária, principalmente numa sociedade em que o abandono de idosos é notícia constantemente. É importante que avós e netos passem tempo juntos, especialmente porque podem aprender muito uns com os outros. Além disso, não só os avós apreciam a companhia dos netos como os netos apreciam os doces dos avós!
Como os avós moravam em Azinhaga, a infância do autor foi vivida entre Lisboa e a aldeia, e é-nos descrita como sendo muito diferente da infância que vive uma criança de uma geração mais recente, nomeadamente no que toca ao modo como ocupa os tempos livres. Assim, Saramago dedicava-se a atividades como caminhadas em espaços naturais, que lhe davam acesso a pequenas aventuras reais. Por sua vez, a criança mais atual é caracterizada como sedentária, passando o tempo a jogar computador, o que apenas lhe proporciona aventuras virtuais. É evidente que o autor exagera ao descrever a criança; contudo, ao ritmo a que a tecnologia se está a desenvolver, é bem possível que este exagero se torne realidade no futuro…
Porém, não me parece que as crianças de diferentes gerações sejam drasticamente diferentes, apesar de passarem o tempo de formas distintas. De facto, no episódio em que parte um ponteiro na aula de Mecânica, o autor e os seus colegas evidenciam comportamentos muito semelhantes ao de qualquer outra criança. Primeiro, antes da chegada do professor, entre conversas, jogos e bolas de papel, a sala está em completa desordem. Segundo, no instante em que o ponteiro se parte, todos param o que estavam a fazer e alguns ainda aplaudem! Terceiro, no momento em que o professor o confronta, Saramago inventa uma desculpa quase automaticamente.
É curioso verificar que este episódio tanto se pode ter passado há algumas décadas como no dia de hoje - independentemente da geração a que pertence, uma criança será sempre uma criança!
Ana Neves, 12ºC, nº2



A persistência é uma característica dos seres humanos, movida pela motivação e a luta pelos sonhos e desejos, que constitui a chave para o sucesso. José Saramago, escritor português com inúmeros prémios, até mesmo o Nobel da Literatura em 1998, faz parte do conjunto dos lutadores, dos persistentes.
De facto, Saramago é uma prova de que, através da persistência e da determinação, se conseguem alcançar os nossos objetivos. Numa entrevista, falando sobre o destino, o escritor diz que “É preciso que cada um de nós ponha a sua própria pedra”. Saramago não acredita no destino, mas sim nas decisões tomadas por cada um de nós, que abrem ou fecham portas.
Efetivamente, José Saramago teve algumas dificuldades económicas que, por exemplo, o impediram de continuar os estudos e o levaram a procurar trabalho ainda jovem. No entanto, o escritor não se “deixou abater” por este obstáculo e começou a escrever, inicialmente apenas como uma espécie de passatempo mas, com o passar dos anos, tornou a literatura a sua forma de vida. Saramago tornou-se, de forma meritória, famoso e internacionalmente reconhecido tendo partido com pouco. José Saramago, com efeito, lutou sempre pelos seus sonhos, nunca deixando de colocar as “suas próprias pedras” e construir o seu caminho.
Na verdade, ao lutarmos por algo, sem prazos nem promessas de o conseguirmos, unicamente com persistência e empenho, do pouco faremos muito. O que atingirmos será, certamente, gratificante muito melhor do que se simplesmente nos fosse dado de “mão beijada”. Terá o sabor da conquista!
Concluindo, devemos tomar Saramago como um exemplo: um homem que, partindo com pouco, foi fazendo o seu destino e alcançou o seu objetivo. Devemos ser persistentes. Apenas os humanos possuem esta característica e, como tal, devemos dela fazer bom uso, perseguindo e lutando pelos nossos sonhos e enfrentando todas as dificuldades e obstáculos que encontrarmos pelo caminho.
Mariana, 11ºA, nº17

José de Sousa Saramago (1922 - 2010) foi um escritor português de renome, que, para além de ter sido galardoado, em 1995, com o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa, foi, em 1998, o primeiro português a ganhar um Prémio Nobel da Literatura.
Tendo em conta a humilde família de agricultores de onde provinha e as dificuldades com que se deparou na infância, os feitos descritos são ainda mais admiráveis. Saramago vivia com pouco, mas pouco é o suficiente para uma criança. Formou-se numa escola técnica, em serralharia mecânica, profissão que chegou mesmo a exercer. Por essa razão, e devido aos problemas financeiros da sua família, estava habituado a trabalhos mais físicos e duros, o que o tornou um jovem mais autónomo e pragmático.
No seu romance As Pequenas Memórias, que funciona como uma autobiografia sem rigor cronológico, Saramago descreve as suas aventuras de criança, em que ele simplesmente passeia pelo campo e trepa às árvores, contrariamente a qualquer criança “criança do mundo civilizado”, que aos cinco ou seis anos “já (…) dizimou dragões mecânicos” e “já fez saltar em pedaços o rei dos tiranossauros”. É, no entanto, esta simplicidade e contacto com o “mundo real” que faz de Saramago a criança modesta e corajosa que é, distinguindo-se da criança citadina, que “é bem provável que (…) não fosse capaz de apanhar uma lagartixa à mão”.
Tal como qualquer criança, Saramago teve aquilo a que ele mesmo se refere como “toques de dislexia”, ou seja, havia palavras que pronunciava erradamente. Foi, no entanto, também neste aspeto, uma criança diferenciada das restantes, tendo em conta que, apesar de pronunciar mal a palavra, tinha a noção de que o estava a fazer e, por isso, citando o autor, “arranjava-me de maneira a que se percebesse mal o que dizia para que não tivessem que me corrigir”.
Como pudemos ver, as circunstâncias em que José Saramago cresceu não foram as melhores. No entanto, o escritor alcança feitos sublimes, em particular a atribuição de prémios de extrema importância. Deste modo, Saramago funciona como um exemplo de força e de esperança que nos deverá, sempre, e a todos, servir de inspiração.
 Luísa Florido, nº14, 12ºC  

 
José Saramago é considerado, por muitos, um dos mais importantes escritores portugueses de todos os tempos, fazendo parte do seu espólio literário obras de diferentes categorias. A evidente valorização do registo oral e da vivacidade comunicativa em detrimento da correção ortográfica própria da linguagem escrita torna a sua arte ímpar, tendo-lhe valido, igualmente, inúmeros prémios, tais como o Prémio Camões (1995) e, mais importante ainda, o Prémio Nobel da Literatura (1998). Mas como terá sido a infância que impulsionou a brilhante carreira deste “génio” literário?
De facto, numa obra autobiográfica publicada alguns anos antes da sua morte – As Pequenas Memórias –, o escritor evoca momentos da sua tenra idade: saudoso do que viveu, de quem o viu crescer e dos lares que o albergaram nas noites frias de inverno, ano após ano.
Nascido e criado numa família humilde e num ambiente campestre, o escritor relembra, com melancolia, a casa onde nasceu e, também, a “outra”, “a pobríssima morada dos [seus] avós maternos”, que o viu desenvolver a sua curiosidade e tornar-se num jovem determinado. Ambas deixaram entretanto de existir, mas esta última ocupa um lugar especial na sua imaginação mas, sobretudo, no seu coração nostálgico: consegue, de facto, recriar e dar vida – “pelo poder reconstrutor da memória” – a alguns elementos deste que foi “o lar supremo, o mais íntimo e profundo, […] esse mágico casulo onde […] se geram as metamorfoses decisivas da criança e do adolescente”, assim como algumas conversas e situações habituais neste cenário.
No entanto, aquilo que Saramago recorda com mais clareza e rigor e descreve com mais pormenor e sentimentalismo nas palavras são as suas aventuras no campo: completamente sozinho e entregue às mãos da Natureza, tem nestas fugas um meio de evasão da sua infância dura e humilde, vivendo quase como numa outra dimensão, na qual está imerso e com a qual estabelece uma estreita relação de pura harmonia. A sua essência de jovem destemido e persistente, mas ao mesmo tempo “contemplativo” e taciturno, faz com que cada local, cada caminho escolhido para explorar o meio natural seja uma das “partes em que o universo se divid[e], se não […] o universo inteiro”: a íntima relação com a Natureza conduz, de facto, a que a mesma seja adotada pelo rapaz como o seu próprio mundo, no qual vive com um mar de curiosidade que não o invade em nenhum outro lugar, como se fosse a primeira vez que ele via a água daqueles rios, ou sentia a sua cara lavada por aqueles ventos sagrados, ou ouvia o “pipilar” daqueles pássaros, ou mesmo que inalava os aromas perfumados e delicados da terra e daquelas plantas…
Porém, claro, em pleno artificialismo do século XXI, as suas aventuras já não têm valor, porque só lhes dá valor quem as vive, e nós, escravos do progresso e tão-quanto da estagnação que deste advém, bem sabemos que na idade da tecnologia e da industrialização já não há mais lugar para as desventuras ao som dos pássaros e ao longo das águas dos rios – pelo menos sem que tal ocorra num tal mundo virtual… Já não há lugar, enfim, para a mais pura felicidade – conseguida ao viver a Natureza – que, contudo, Saramago ainda conseguiu, felizmente, sentir na sua infância dura mas, por essa razão, sortuda. Deste modo, ao encontrar a felicidade em pequenos prazeres quotidianos, a sua doutrina de vida assemelha-se, a meu ver, ao epicurismo, evidente na poesia de Ricardo Reis
Para além disso, o facto de, em criança, ter pronunciado incorretamente algumas palavras, pese embora de forma minimamente consciente, demonstra não só que a sua instrução não era muito rica nem os seus modelos educativos tão-pouco cultos – tinha inclusive familiares analfabetos! –, mas também, e sobretudo, que, apesar disso, já revelava desde tenra idade indícios de uma sensibilidade literária ímpar, que o viria a acompanhar ao longo dos seus anos de vida.
Por fim, Saramago explora, igualmente, a pobreza na qual a sua família estava mergulhada – ao partir um ponteiro numa aula de Mecânica, teve de trabalhar, pelas próprias mãos, um pau redondo, “em bruto”, “[d]urante talvez duas semanas, tardes de sábado e domingo incluídos”, para que ficasse semelhante ao quebrado (já que se deduzira que comprar um já feito seria demasiado caro de financiar).
(…) Em suma, considero que Saramago, apesar de ter crescido no seio de uma família com pouca cultura e de ter tido uma infância dura e humilde, conseguiu encontrar a felicidade em pequenos gestos e momentos do dia-a-dia – dos quais se recorda, nesta autobiografia, com saudade e melancolia –, o que enriqueceu indubitavelmente a sua alma. Do mesmo modo, revelou, desde cedo, uma personalidade evidentemente persistente e verdadeiramente única, assim como desenvolveu uma sensibilidade literária que se traduziu na sua chegada ao estrelato, ao ser galardoado, entre outros, com o Prémio Nobel da Literatura.
Hugo Cruz, 12ºC, nº21



A ascensão pessoal
JOSÉ SARAMAGO
Em qualquer um dos textos que analisamos, é possível observar a ancestralidade de sonhos e de desejos antigos como a própria Humanidade. São vivências que, em alguns casos, deixaram já de o ser, porque foram concretizados pelas ambições humanas.(…)
Esses sonhos e desejos poderão considerar-se utópicos nos dias de hoje, ainda – como este de sociedades justas e perfeitas–, que, quer o autor o tenha pretendido ou não, encontram repercussão no espaço e no tempo dos romances escritos.
O autor transcende para uma infância onde criança e adolescente, contempla um Universo simples e fraterno, livre e altruísta, dividido em quatro partes –“ (…)o rio, (…), os olivais (…), a densa mata de tramagueiras, faias, freixos e choupos (…) e o Paul do Boquilobo (…)”. É nesse Universo de uma fértil imaginação que ascende a façanhas de um rapazinho de tenra idade, cuja inocência, se traduz num processo de aprendizagem que acaba e começa no próprio ser humano.
Nestes textos, Saramago relata o poder humano de ultrapassar diversas dificuldades, obstáculos e proezas próprias da idade. A jovem criança e adolescente, pode e consegue mais que aquilo que crê. Evolui e consegue seguir em frente, apoiando-se nos conhecimentos e experiências vivenciadas anteriormente. (…)
A criança autocorrige-se e evolui pessoal e socialmente –“ (…) Ainda recordo o meu alívio quando fui capaz, finalmente, de inverter as posições das mal-educadas sílabas. (…)”.
No caso de José Saramago, a imaginação fértil é corroborada com a deslocalização e relocalização espacial-temporal – “(…) Valeu-me a experiência ganha na Azinhaga (…)”.
O ensinamento fraternal implícito implica um enraizamento cultural com responsabilização social – “(…) Para o bem ou para o mal, nem meu pai nem minha mãe se meteram no assunto. (…)”. Este ensinamento poderia ser o cumprimento de um sonho, o sonho de uma sociedade melhor e de aprovação social – “(…) com a aprovação administrativa e um sorriso compreensivo do professor. (…)”.
Por tudo o que nos revela a sua escrita, existe uma ascensão pessoal e social ao longo da vida, numa sociedade que pretende educar e preparar o individuo segundo regras e vivências pessoais e de autoconhecimento.
Helena Amorim Bruno – 11ºA, nº 11


De rapazinho da Azinhaga a Prémio Nobel da Literatura.

A lição de vida que José Saramago nos legou é extremamente inspiradora. Através de registos autobiográficos podemos constatar o quão humilde e difícil foi a sua infância e a sua adolescência; através dos seus textos, podemos verificar que foram essas mesmas dificuldades que se transformaram numa obra literária notável e reconhecida em 1998 com o Prémio Nobel da Literatura.
Efetivamente, a primeira condição para o sucesso decorreu da vida humilde que teve na casa dos seus avós maternos, na Azinhaga, entre o rio e os olivais, entre as matas e uma alverca, com a consciência das suas limitações e o carácter contemplativo de um adolescente.
Mais tarde, já como aprendiz de serralheiro mecânico, a persistência e o forte propósito de se superar conferiram-lhe os alicerces para o seu sucesso, não acreditando em milagres, mas apenas no próprio trabalho responsável e autónomo.
Em suma, Saramago constitui o exemplo paradigmático de que a nossa condição inicial não tem de limitar, necessariamente, as nossas aspirações e o reconhecimento do nosso trabalho.
Maria Matos, 11º A, nº16

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