FÚRIAS
Escorraçadas
do pecado e do sagrado
Habitam
agora a mais íntima humildade
Torneira que
se estraga atraso de autocarro
Sopa que
transborda na panela
Caneta que
se perde aspirador que não aspira
Táxi que não
há recibo extraviado
Empurrão
cotovelada espera
Burocrático
desvario
Sem clamor
sem olhar
Sem cabelos
eriçados de serpentes
Com as
meticulosas mãos do dia-a-dia
Elas nos
desfiam
Elas são a
peculiar maravilha do mundo moderno
Sem rosto e
sem máscara
Sem nome e
sem sopro
São as
hidras de mil cabeças da eficácia que se avaria
Já não
perseguem sacrílegos e parricidas
Preferem
vítimas inocentes
Que de forma
nenhuma as provocaram
Por elas o
dia perde seus longos planos lisos
Seu sumo de
fruta
Sua
fragrância de flor
Seu marinho
alvoroço
E o tempo é
transformado
Em tarefa e
pressa
A
contratempo.
Sophia de Mello Breyner Andresen |
"Ilhas"
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