História Antiga
Era uma vez,
lá na Judeia, um rei.
Feio bicho,
de resto:
Uma cara de
burro sem cabresto
E duas
grandes tranças.
A gente
olhava, reparava, e via
Que naquela
figura não havia
Olhos de
quem gosta de crianças.
E, na
verdade, assim acontecia.
Porque um
dia,
O malvado,
Só por ter o
poder de quem é rei
Por não ter
coração
Sem mais nem
menos,
Mandou matar
quantos eram pequenos
Nas cidades
e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou
milagre, aconteceu
Que, num
burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas
mãos de sangue um pequenito
Que o vivo
sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo
de sonho
Para encher
este mundo de alegria;
Para
crescer, ser Deus;
E meter no
inferno o tal das tranças,
Só porque
ele não gostava de crianças.
Miguel
Torga- Antologia Poética. Lisboa:
Dom Quixote, 1999 . p. 250
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